31 de dezembro de 2012

Mário de Carvalho "Avé Portugal mendigo. Senhora da Linha em maré de pobres"

1. 
A esmola. O próprio vocábulo hoje incomoda. Tem travos de aviltamento, atraso e rebaixo. No século XXI, há quem queira voltar à prática infamante da esmola! As saudades da Idade-Média tardam ao esconjuro. Mas o lastro da miséria não é aura que eleve aos céus. É chumbo que arrasta para as regiões inferiores, onde, segundo as mitologias, se arde.

Vem-me primeiro à ideia o orador Rufino de «Os Maias». É o meu espírito faceto. Mas eu não consigo ser sempre faceto. A memória não deixa. Acode-me o mal-estar de miúdo quando um padre me levou num grupo a distribuir embrulhos por tugúrios de Alfama. Para que os meninos do liceu soubessem como vivia a pobreza, explicou. Eu não precisava que me lembrassem como vivia a pobreza. Sabia e sabia bem. Tinha brincado com miúdos rotos e descalços que usavam carrinhos feitos de arame como agora em África. Tinha entrado em casas de chão batido em que não havia nem uma cadeira. Tinha visto os pedintes chegarem aos grupos, esfarrapados, longas barbas, bornal ao ombro, por entre os arremessos dos cães, e ficarem depois às sobras debaixo dum chaparro. Tinha espreitado a guarda a cavalo, de chapéu colonial, a patrulhar os campos e a assegurar-se de que tudo estava em ordem: «Assine aí, lavradora!». Tudo estava em ordem. A ordem da miséria e da degradação. A ordem natural das coisas. Pobres sempre haveria. Porque sim. À cautela, aquelas «Mauser» em bandoleira eram garantes.

Isto vem, claro, a propósito da doutora Maria Isabel Jonet. E começou a ser escrito após uma senhora deputada ter entrado em guincharia num programa de televisão conduzido por uma daquelas figuras curvadas que nos vêm abrir uma porta rangente, de candelabro na mão, olho torvo e beiçola descaída, quando o nosso carro sem gasolina parou numa charneca desértica, entre nevoeiros, sem haver mais que uma mansão decrépita. 

A deputada estridulou acusações contra «campanhas» e destemperou insultos. Mal defendida ficou a ré Isabel. Mal vista a parlamentar. Diminuídos todos. Suscitado este texto.

2.
Eu até nem desgosto especialmente da Doutora Jonet. E não se trata de nenhuma simpatia atávica pelos simples. Acho que é mais defeito meu: uma dificuldade em antipatizar, da natureza daquelas portas perras que, por mais que se tente, não fecham. Aliás, nomeio a pessoa apenas para que não interpretem a omissão como pejorativa. 

A actividade caridosa dos ricos também não me causa, em si, especial contrariedade. Cuidar dos outros nunca fez mal a ninguém. Enquanto certa gente se entretém com a caridade não está a fazer coisas piores: intrigas, festarolas, ostentações, frioleiras, chazinhos. E, em certos casos, malfeitorias. 

Vou passar de alto as últimas declarações da respeitável senhora. Dizem-me que se tem desdobrado em entrevistas. E mais insinuam: que não se trata de uma bem organizada manobra de influências, abusando de subalternidades nos jornais, mas de coisa pior: vontade pérfida, por parte da imprensa, de a surpreender, mais uma vez, em inconveniências. Eu nunca entraria nem num jogo, nem noutro. De maneira que recorro à minha memória, que é fraca, pedindo desde logo que me corrijam, se estiver equivocado:

- Aqui há tempos, a um propósito que tinha a ver com a entreajuda na família, afirmou convictamente que os filhos deviam ajudar «a cortar a relva»;

- Noutra ocasião, referindo-se aos jovens dos seus relacionamentos disse, por palavras suas, que esses eram as «elites» que iriam estar à frente deste país. 

- Na véspera das últimas eleições legislativas (em pleno período de reflexão) convidada pelo espertíssimo Doutor Rebelo de Sousa que a olhava com o amarotado deleite de quem acaba de fazer batota na «vermelhinha», a senhora debitou, item a item, dogma a dogma, todo (mas todo) o papagueio da cartilha que tem vindo a desgraçar este país.

A «relva» ainda passa. É a consequência de se viver num mundo fechado. Mas sendo uma pessoa tão viajada… Não interessa. Já conheci gente que andou pelos sítios mais desvairados e não viu nada. Pode ir-se e voltar-se da Conchinchina setenta vezes sem sair de intramuros. 

O considerar que certo tipo de jovens está destinado a governar é uma concepção classista, capciosa, e até ofensiva para a esmagadora maioria da juventude. Mas temos de reconhecer que há falhas de educação que nos acompanham toda a vida. O saisons, o chateaux…

Já fazer propaganda em dias de defeso é muito mais grave. Mas creio que podemos atribuir as culpas a quem a convidou para aquele programa, naquela precisa noite, sabendo de antemão que a senhora não poderia deixar de dizer as inanidades que lhe estão na massa do sangue. Com tal habilidade e torsão de manobra não admira que o Professor Rebelo de Sousa acabe, tanta vez, por se rasteirar a si próprio. 

Surpreende-me é que as pessoas que, outro dia, se indignaram com a questão dos bifes e das torneiras (parece ter havido, entretanto, outra pérola sobre a temperatura do dueto solidariedade/caridade) não deram nem pelo corte da relva, nem pela vocação oligárquica, nem pela violação encapotada da lei eleitoral. Não se tratou de uma mera impertinência de uma senhora num tropeço de infelicidade. Por trás há um pensamento. Uma ideologia. E há muita gente (se calhar muitos dos vociferantes) que tem consentido nessa ideologia que faz passar por «normal» uma concepção do mundo arcaizante.

3.
No país em que eu nasci, quem mandava eram os ricos que encarregavam das tarefas sujas uns professores de Coimbra e uns militares que por sua vez comandavam legiões de desgraçados. Durante gerações, houve pessoas, em número mínimo, que beneficiaram duma vida remansosa dentro dum circuito fechado e protegido. A sua insensibilidade social era completa. Nem se apercebiam de que em volta havia pobre gente maltratada, humilhada, presa, espancada. Se lhe chegassem rumores (através das criadas, por exemplo) considerariam que era natural. O imperfeito mundo funcionava assim mesmo, éramos «um país pobre», resignassem-se. E até encontravam uma especificidade nacional justificativa do nosso fascismo doméstico. Era desumano? Paciência. Havia oratórios, terços, missas, e em calhando cilícios e bodos aos pobres. A desumanidade redimia-se nos ritos. 

De repente (surpresa para eles) caiu-lhes uma revolução em cima, transtornou-lhe os planos, estremeceu-lhes as carreiras, desmarcou-lhes as festas. O que se chama, na sabedoria popular «uma patada no formigueiro».

Nunca perdoaram esses momentos – fugazes - de perturbação das pequenas vidas. Não tardariam, eles e seus descendentes, a ser repostos nos lugares de antes (em circunstâncias e conluios que não importa agora rever) mas num quadro jurídico e institucional diverso: a democracia. Essa incomodidade áspera, própria de intelectuais irrealistas, operários transviados e outros lunáticos, mostrava-se demasiado imponente para se derrubar de golpe? Dissimulasse-se. Corroesse-se por dentro. Desviassem-se os recursos do Estado. Praticasse-se uma permanente cleptofilia. E, dentada a dentada, sangria a sangria, desgaste a desgaste, chegou o momento que julgaram oportuno para rasgarem as fantasias e voltarem aos plenos poderes de antes, a coberto dos seus criados. A vingança serve-se fria. Há um nome francês que se usa no caso: «revanche».

É deste movimento que a doutora Maria Isabel Jonet tem sido uma porta-voz, no seu estilo muito próprio. E só agora muita gente nota. Porque vinha tudo no embalo duma quotidiana propaganda que dia a dia, linha a linha, imagem a imagem, inculcava nos espíritos o acatamento dum mundo de diferenças e de desigualdades. O mundo em que a doutora Jonet – e outras pessoas do mesmo entendimento – se sentem realizadas.

Quando por todo o lado se apregoa – com grande favor jornalístico – a ideia de que o Engº Zulmiro não deve pagar o mesmo nos transportes que um reformado pobre, quando se dispõem contrapartidas distintas, conforme os escalões, nos cuidados de saúde, quando se estabelecem diferenças de tratamento ao sabor dos rendimentos declarados não é a justiça que estão a praticar. Muito ao contrário. É a normalização e a institucionalização das desigualdades. É um desenho do mundo em que a pobreza (a dos outros) se aceita como fatalidade. A restauração do despenhado mundo dos pobres, como eu o conheci. 

Os ricos já têm o poder económico neste país. Asseguraram, através dos seus valetes, o poder político; ainda querem mais: exercer o poder pessoal, sobre as vidas de cada um, usando, ou sendo transmissários, do instrumento da esmola. É a imposição da desigualdade como ordem natural das coisas, como uma grelha implacável cravada na sociedade portuguesa. A esmola, neste quadro, faz lembrar o cajado do guardador de rebanhos. Pobres para serem mandados, distribuídos, orquestrados, mordidos, concentrados, castigados, benzidos. 

E isso é bem diferente de praticar a caridade, nas falhas e interstícios do chamado Estado social. Não há aqui expressão de amor ao próximo. Não se trata dos casos (meritórios) em que se descarregam consciências, sem que uma mão saiba o que faz a outra. É, ao contrário, uma fórmula institucional de violência. Esse mal, sistémico e obsidiante, não se deixa compensar com os maquinismos do bem-fazer de uma indústria caridosa. Por um lado fabricam-se pobres, através dum sistema social iníquo. Por outro lado, esmolam-se os pobres que se criaram. É repulsivo? É, sim, e estão em campo as mesmas famílias (descendentes ou afins) praticantes dos bodos dos tempos do fascismo. 

4.
Falemos agora de decência. É um conceito que não tem que ver com o sapatinho de vela no verão, o esgoleiramento da camisinha branca ao fim-de-semana, os gestos miúdos do chazinho ou a mãozinha no volante do Porshe, nem com os objectos «de marca» que irmanam paradoxalmente os extremos do espectro social. Vadios de cima e vadios de baixo (Eça confrontava-os no Chiado) entusiasmam-se pelos mesmos efeitos. Apuradas as razões, hão-de encontrar-se num subterrâneo fio de ligação, mais ou menos disfarçado: frivolidade iletrada. Aos de cima, chamou a doutora Isabel Jonet «elite», por manifesto equívoco. Como se no país não existissem cientistas, arquitectos, engenheiros, artistas, professores, médicos, advogados, e tudo tivesse que rasar-se pela bitola de alguns economistas, banqueiros, «gestores» e ociosos.

Um dos preceitos estruturantes que escora o nosso ordenamento jurídico e funda a confiança nos comportamentos eticamente regulados vem do direito romano e das ancestrais práticas de boa-fé e exprime-se no brocardo: «pacta sunt servanda», ou seja, os compromissos são para se cumprirem. E sobre isto não há expedientes de contabilistas, não há casuísticas habilidosas, não há reservas mentais, não há passes de futebolista atendíveis. Há uma obrigação? Cumpra-se.

Mas a plutocracia que tem mandado nos destinos dos portugueses transportou para o Estado os seus pequenos hábitos de manobrismo, de expedientes, habilidades, truques, quando não de falcatrua, que retiraram à entidade a sua natureza de «pessoa de Bem». Ser «de bem» é uma noção que está fora do alcance de quem apenas acha meritórios o lucro e as negociatas. Coisa abstracta e «intelectual», própria de «otários» para utilizar a linguagem das cadeias que acaba por não ser muito diferente, numa perspectiva de extremos tangenciais

É assim que vemos governantes a colocarem o Estado Português na situação de violar os compromissos tomados para com os seus trabalhadores e aposentados. A ignorar prazos contratuais. A incumprir as promessas juradas perante o seu eleitorado. A fazer negaças às própria constituição. De modo tão flagrante e provocatório que lhes fez perder a legitimidade formal que detinham à partida.

Ora quem se coloca fora da lei está a pedir um tratamento fora da lei. Mas eles não estão apenas a pedir pedradas. Estão a pedir o confisco dos seus relvados, dos seus automóveis, das suas casas, das suas piscinas, dos seus valores mobiliários, dos seus quadros, dos seus cavalos, das suas jóias e luxos e a supressão de todas as mordomias. Não que isso seja economicamente relevante. Mas significa a reposição de um mínimo de decoro.

Ser-lhes-á então tarde para perceber que numa situação de ruptura a própria polícia mudará de campo. Certos jornalistas descobrirão escrúpulos éticos insuspeitados. Economistas e contabilistas virão dizer que foram mal interpretados e nunca proferiram aquelas coisas. Irromperão múltiplos vira-casacas e desertores da tirania de mercado, dispostos a pisar a livralhada de Milton Friedman e a cuspir no retrato emoldurado da Senhora Thatcher. 

E lá terão as pessoas de bom senso de arriscar a reputação e a pele para evitar que se maltratem umas dúzias de plutocratas amedrontados e seus serviçais de fatinho, rojados pelo chão, de folha de cálculo à mostra.

A promulgação do Orçamento é um acto inaceitável


Segunda 31 de Dezembro de 2012

O Senhor Presidente da República promulgou hoje o Orçamento do Estado para 2013, o que é do nosso ponto de vista um acto inaceitável e que irá contribuir para que milhões de trabalhadores e reformados no próximo ano, vejam as suas condições de vida degradarem-se e muitos possam cair no desemprego e na pobreza.

Os portugueses já sabiam que tinham um Primeiro-Ministro que mente, pois na oposição achava a carga fiscal excessiva e no Governo eleva a carga fiscal sobre os trabalhadores e as famílias para níveis incomportáveis, mas agora sabem também que têm um Presidente da República que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição da República e perante um Orçamento destes promulga-o, ignorando apelos dos mais vários quadrantes políticos, para que o vetasse, dadas as suas inúmeras inconstitucionalidades.

Pode dizer-se que estão bem um para o outro, quem está mal e cada vez pior são os trabalhadores portugueses, o povo e o país.

O apelo que aqui fazemos aos portugueses é o de que façam uso de todos os direitos que a Constituição prevê, façam de 2013 uma ano de luta, um ano de derrota deste Governo e desta política e que abra caminho a um Governo patriótico de esquerda para Portugal.

(Declaração do PCP sobre a promulgação do Orçamento)


Tempo de Antena do PCP de 21 de Dezembro de 2012

O PCP reafirma o seu compromisso com os trabalhadores e o povo, o seu programa de democracia avançada, o seu projecto de uma nova sociedade, liberta da exploração do homem pelo homem


17 de novembro de 2012

Mentiras sobre a história da União Soviética De Hitler e Hearst a Conquest e Solzjenitsyn!


História dos supostos milhões de presos e mortos nos campos de trabalho e pela fome na União Soviética no tempo de Stáline

Neste mundo em que vivemos, quem consegue escapar às terriveis histórias de mortes suspeitas e assassinios nos campos de trabalho Gulag na União Soviética? Quem consegue escapar às histórias de milhões de mortos pela fomes e de milhões de opositores executados na União Soviética no tempo de Stáline? No mundo capitalista repetem-se estas histórias em livros, jornais, radio, televisão e filme numa quantidade infinita e o mito de dezenas de milhões de vitimas que o socialismo teria causado tem crescido sem limites nos últimos cinquenta anos.
Mas na realidade, de onde vêm estas histórias e estes números? Quem é que está por detrás disto?
E outra pergunta: o que há de verdade nessas histórias? Por exemplo, qual é a informação existente nos arquivos da União Soviética, anteriormente secretos, mas abertos por Gorbatchov à investigação histórica em 1989? Segundo os inventores dos mitos, todas as histórias de milhões de mortos na União Soviética de Stáline se confirmariam no dia em que os arquivos fossem abertos. Foi o que aconteceu? Foi confirmado?

O artigo que segue mostra-nos de onde vêm e quem está por detrás das histórias dos milhões de mortos pela fome e nos campos de trabalho na União Soviética de Stáline. O autor do texto, depois de ter estudado o resultado das investigações feitas nos arquivos da União Soviética dá-nos também informação em dados concretos sobre o verdadeiro número de presos, anos de prisão e o verdadeiro número de mortos e de condenados à morte na União Soviética de Stáline. A realidade é bem diferente do mito!

O autor do texto, Mário Sousa, é militante do Partido Comunista da Suécia [KPML(r)]. O artigo foi escrito em sueco para o jornal do partido, Proletären - O Proletário - onde foi publicado em Abril de 1998. A tradução é do autor.


Em linha recta através da história - de Hitler e Hearst a Conquest e Soljenitsyne

No ano de 1933 a política alemã sofre modificações que vão deixar marcas na história mundial durante dezenas de anos. Em 30 de Janeiro Hitler é nomeado primeiro ministro e um nova maneira de governar, com violência e sem respeito pelas leis, começa a tomar forma. Para consolidar o poder, os nazis marcam novas eleições para 5 de março utilizando toda a propaganda ao seu alcance para assegurar um resultado vitorioso. Uma semana antes das eleições, em 27 de fevreiro, os nazis incendeiam o parlamento e acusam os comunistas de serem eles os incendiários. O partido comunista é proibido e muitos comunistas são presos. Nas eleições que se seguiram os nazis obtiveram 17,3 milhões de votos e 288 deputados, cerca de 48% do eleitorado. (em novembro de 1932 tinham tido 11,7 milhões de votos e 196 deputados). Depois da proibição do partido comunista, os nazis começaram a perseguir os socialdemocratas e o movimento sindical e os primeiros campos de concentração começaram a encher-se com todos esses homens e mulheres de esquerda. Entretanto continou a aumentar o poder de Hitler no parlamento com a ajuda da direita. No dia 24 de março Hitler fez passar uma lei no parlamento que lhe deu poderes totais para governar o país durante quatro anos sem necessidade de consulta parlamentar. A partir daí começaram as perseguições abertas aos judeus e os primeiros deram entrada nos campos de concentração onde já se encontravam comunistas e socialdemocratas de esquerda. Hitler continuou a marcha pelo poder total, cortando com todos os acordos internacionais de 1918 que impunham restrições ao armamento e militarização da Alemanha. O rearmamento da Alemanha faz-se a grande velocidade. Esta era a situação politica internacional quando o mito dos milhões de mortos na União Soviética se começou a formar.


A Ucrânia como uma parte do espaço alemão

Ao lado de Hitler no comando da Alemanha estava o ministro da propaganda, Goebells, o máximo responsável para incutir o sonho nazi no povo alemão. Este era o sonho do povo da raça pura vivendo numa Grande Alemanha, um país com um grande "lebensraum", um grande espaço para viver. Uma parte deste "lebensraum", uma área muito maior do que a Alemanha, iria ser conquistada no Este e incorporada na nação alemã. Em 1925 no livro Mein Kampf já Hitler tinha indicado a Ucrânia como uma parte integrante do espaço alemão. A Ucrânia e outras regiões no Este da Europa iriam pretencer à nação alemã para poderem ser utilizadas de uma maneira "correta". Segundo a propaganda nazi, a espada alemã iria libertar essa terra para dar lugar ao arado alemão! Com técnica alemã e empresas alemãs a Ucrânia iria ser transformada na terra produtora de cereais da Alemanha! Mas primeiro teriam os alemães que libertar a Ucrânia do seu povo de "seres humanos inferiores", os quais, segundo a propaganda nazi, seriam utilizados como força de trabalho escravo nas casas, fábricas e agriculturas alemãs, em todos os lugares onde a economia alemã necessitasse deles.

A conquista da Ucrânia e de outras regiões da União Soviética implicava necessáriamente guerra contra a União Soviética, o que era necessário preparar a longo termo. Para esse efeito o ministério de propaganda nazi, chefiado por Goebbels, iniciou em 1934 uma campanha sobre um suposto genocídio feito pelos bolcheviques na Ucrânia, uma terrivel catastrofe de fome que teria sido provocada por Stáline para submeter e obrigar os camponeses a aceitar a politica socialista. O objetivo da campanha nazi era de preparar a opinião pública mundial para a "libertação" da Ucrânia pelas tropas alemãs. Apesar de grandes esforços e embora alguns textos da propaganda alemã fossem públicados na imprensa inglêsa, a campanha nazi sobre o "genocídio" na Ucrânia não teve grande sucesso a nível mundial. Era evidente que Hitler e Goebbels necessitavam de ajuda para espalhar as calúnias sobre a União Soviética. A ajuda foi encontrada nos Estados Unidos da América!


William Hearst, um amigo de Hitler

William Randolph HEARST é o nome do multimilionário americano que veio ajudar os nazis na guerra psicologica contra a União Soviética. Hearst é o redactor americano conhecido como sendo o "pai" da chamada imprensa amarela, a imprensa sensacionalísta. William Hearst começou a carreira de redactor em 1885, quando o seu pai George Hearst, milionário da indústria mineira, senador e redactor, lhe deu a chefia do jornal São Francisco Daily Examiner. Assim começou também o império jornalistico de Hearst que de uma maneira definitiva iria deixar marcas profundas na vida e nos conceitos dos norteamericanos. Depois da morte do pai, William Hearst vendeu todas as acções da indústria mineira que herdou e começou a investir o capital no mundo jornalistico. A primeira compra que fez foi o New York Morning Journal, um jornal de tipo tradicional que Hearst transformou totalmente num jornal sensacionalístico. As notícias eram compradas a qualquer preço e quando não havia crueldades ou crimes violentos para contar cabia aos jornalistas e fotógrafos "arranjar" o assunto. É justamente esta a marca da "imprensa amarela": a mentira e a crueldade arranjada e servida como verdade.
As mentiras de Hearst fizeram dele milionário e pessoa importante no mundo jornalístico, sendo em 1935 um dos homens mais ricos do mundo com uma fortuna avaliada em 200 milhões de dolares. Depois da compra do Morning Journal, Hearst continuou a comprar e fundar jornais diários e semanários por todos os EUA. Na década dos anos 40, William Hearst era proprietário de 25 jornais diários, 24 semanários, 12 estações de radio, 2 serviços de noticias mundiais, um serviço de notícias para filme, a empresa de filme Cosmopolitan e muito mais. Em 1948 comprou uma das primeiras estações de televisão dos EUA, a WBAL-TV em Baltimore. Os jornais de Hearst vendiam 13 milhões de exemplares diários com cerca de 40 milhões de leitores! Quase um terço da população adulta dos EUA lia diáriamente os jornais de Hearst! E além disso muitos milhões de pessoas em todo o mundo recebiam a informação da imprensa de Hearst através dos serviços de noticías, filmes e uma série de revistas que eram traduzidas e editadas em grandes quantidades em todo o mundo. Os números acima citados mostram bem de que maneira o império de Hearst influenciou a vida politica americana e a vida politica do mundo em geral durante muitos anos (entre outras coisas contra a participação dos EUA na segunda guerra mundial pelo lado da União Soviética e nas campanhas anti comunistas de McCarty na década 50).

Os conceitos de William Hearst eram extremamente conservadores, nacionalistas e anti-comunistas. A sua politica era a politica da extrema direita. Em 1934 fez uma viagem à Alemanha onde foi recebido por Hitler como convidado e amigo. Depois desta viagem os jornais de Hearst tornaram-se ainda mais reacionários, sempre com artigos contra o socialismo, contra a União Soviética e em especial contra Stáline.

Hearst tentou também utilizar os seus jornais para fazer propaganda nazi abertamente, com uma série de artigos de Göring, a mão direita de Hitler. No entanto os protestos de muitos leitores obrigaram-no a parar a publicação e retirar os artigos.

Depois da visita a Hitler os jornais sensacionalistas de Hearst vinham cheios de "revelações" sobre acontecimentos terríveis na União Soviética como assassinios, genocídios, escravidão, luxo para os governantes e fome para o povo, sendo estas as grandes "notícias" diárias. O material era dado a Hearst pela Gestapo, a policia política da Alemanha nazi. Nas primeiras páginas dos jornais havia muitas vezes caricaturas ou imagens falsas da União Soviética, onde Stáline era retratado como um assassino de faca na mão. Não esqueçamos que estes artigos eram lidos diariamente por 40 milhões de pessoas nos Estados Unidos e milhões de outras em todo o mundo!


O mito da fome na Ucrânia

Uma das primeiras campanhas da imprensa de Hearst contra a União Soviética foi sobre os supostos milhões de mortos, vitimas da fome na Ucrânia. A campanha iniciou-se em 18 de Fevreiro de 1935 no jornal Chicago American com um titulo na primeira página, "Seis milhões de mortos de fome na União Soviética". Utilizando material vindo da Alemanha nazi começou assim o simpatizante do nazismo e magnata da imprensa William Hearst a publicar histórias fantásticas sobre um genocidio provocado pelos bolcheviques com muitos milhões de mortos de fome na Ucrânia. A realidade era bem diferente. O que se tinha passado na União Soviética no principio da década de 1930 foi uma grande luta de classes em que os camponeses pobres e sem terra se levantaram contra os grandes agrários ricos, os kulaks, e iniciaram a luta pelos colectivos agricolas, os kolchozes. Esta grande luta de classes que envolvia directa ou indirectamente 120 milhões de camponeses causou instabilidade na produção agrícola e em algumas regiões falta de produtos alimentares. A falta de comida enfraquecia as pessoas, o que contribuiu para um aumento de vitimas de epidemias infecciosas. Este tipo de epidemias era nessa altura um acontecimento tristemente comum no mundo.

De 1918 a 1920 uma epidemia infecciosa conhecida como a gripe espanhola fez milhões de mortos nos EUA e na Europa (mais de 20 milhões), mas nunca ninguém acusou os governos desses paises de matarem os seus cidadãos. O facto é que os governos nada podiam fazer contra epidemias desta espécie. Só com o aparecimento da penicilina durante a segunda guerra mundial é que as epidemias infecciosas poderam começar a serem combatidas com exito no fim da década de 1940.

Os artigos na imprensa de Hearst sobre os milhões de mortos de fome na Ucrânia que tinha sido "provocada pelos comunistas" eram detalhados e terriveis. A imprensa de Hearst utilizou tudo ao seu alcance para fazer da mentira realidade, provocando a opinião pública nos países capitalistas a voltar-se fortemente contra a União Soviética. Assim se originou o primeiro grande mito dos milhões de mortos na União Soviética. Na vaga de protestos contra a fome "provocada pelos comunistas" que se seguiu na imprensa ocidental ninguém quis escutar os desmentidos da União Soviética, sendo o completo desmascaramento das mentiras da imprensa de Hearst em 1934, adiado até 1987! Durante mais de 50 anos e na base destas calunias, várias gerações de pessoas em todo o mundo foram levadas a formar uma visão negativa do socialismo e da União Soviética.


O império mass-media de Hearst no ano de 1998!

William Hearst morreu em 1951 na sua casa em Beverly Hills na Califórnia. Hearst deixou um império de mass-media que ainda hoje continua a espalhar a sua mensagem reaccionária por todo o mundo. A empresa The Hearst Corporation é uma das maiores do mundo em que vivemos, reunindo mais de 100 companhias onde trabalham 15.000 pessoas. O império de Hearst abrange hoje jornais, revistas, livros, radio, televisão, TV cabo, agencias de noticias e multimedia.


52 anos para desmascarar uma mentira!

A campanha de desinformação dos nazis sobre a Ucrânia não morreu com a derrota da Alemanha nazi na segunda guerra mundial. As mentiras nazistas foram retomadas pela CIA e pelo MI5 britânico e tiveram sempre um lugar garantido na guerra de propaganda contra a União Soviética. As campanhas anticomunistas de McCarthy nos EUA, depois da segunda guerra mundial, também viveram à custa dos "milhões de mortos de fome da Ucrânia". Em 1953 foi publicado um livro nos EUA sobre este tema, com o titulo "Black Deeds of the Kremlin" (Os feitos negros do Kremlin). A publicação foi paga por refugiados ucranianos nos EUA, gente que tinha colaborado com os nazis na segunda guerra mundial a quem o governo americano deu asilo político apresentando-os ao mundo como democratas.

Quando Reagan foi eleito presidente dos EUA e iniciou a sua campanha anticomunista na década de 1980, renovou-se a propaganda dos "milhões de mortos na Ucrânia". Em 1984 um professor da Universidade de Harvard editou um livro com o titulo de "Human life in Rússia" (Vida humana na Rússia) em que estava incluido o material falso da imprensa nazi de Hearst de 1934. Em 1984 foram assim reeditadas as mentiras e falsificações nazistas dos anos 30, mas agora com a capa respeitável de uma universidade americana. Mas a história não fica por aqui.

Já em 1986 saiu mais um livro sobre o tema, com o titulo "The Harvest of Sorrow", escrito pelo anterior agente da policia secreta britanica Robert Conquest que é hoje professor da Universidade de Stansfort na California. Pelo "trabalho" com o livro Conquest recebeu 80.000 dolares da Ukraina National Association. A mesma assossiação pagou também um filme feito em 1986, o "The Harvest of Despair", em que, entre outras coisas, se utilizou o material de Conquest. Nesta altura já os números apresentados nos EUA dos "mortos de fome na Ucrânia" iam em 15 milhões de pessoas!

No entanto os milhões de mortos de fome na Ucrânia apresentados na imprensa americana de Hearst e a sua utilização em livros e filmes era material completamente falso. O jornalista canadiano Douglas Tottle demonstrou rigorosamente essa falsificação no seu livro "Fraud, Famine and Fascism, The Ukrainian Genocide Myth from Hitler to Harvard" editado em Toronto em 1987. Entre outras coisas Tottle mostrou que o material fotográfico apresentado, fotografias horriveis de crianças esfomeadas, foi tirado de publicações do ano de 1922 numa altura em que milhões de pessoas morreram na guerra e de fome, quando oito exércitos estranjeiros invadiram a União Soviética durante a guerra civil de 1918 - 1921. Douglas Tottle apresenta também os factos sobre a reportagem da fome, feita em 1934 e demonstra a mixórdia de mentiras publicadas na imprensa de Hearst.

O jornalista que durante muito tempo tinha enviado reportagens e fotografias das chamadas zonas da fome, um certo Thomas Walter, nunca tinha estado na Ucrânia, mas apenas estado em Moscovo durante cinco dias. Este facto foi revelado pelo jornalista Louis Fischer, o então correspondente de Moscovo do jornal americano The Nation. Fisher revelou também que o jornalista M. Parrott, o verdadeiro correspondente em Moscovo da imprensa de Hearst, tinha enviado a Hearst reportagens que nunca foram publicadas, sobre as ceifas com muito bons resultados em 1933 na União Soviética e sobre uma Ucrânia soviética em desenvolvimento. Tottle mostra-nos também que o jornalista que fez as reportagens sobre a suposta fome para Hearst, o tal Thomas Walker, na realidade se chamava Robert Green, um condenado escapado da prisão estatal do Colorado! Este Walker, ou seja Green, foi preso no retorno aos EUA e confessou em tribunal nunca ter estado na Ucrânia. Todas estas mentiras sobre os milhões de mortos de fome na Ucrânia nos anos 30, uma fome que teria sido provocada por Stáline, só vieram a ser conhecidas e desmascaradas em 1987!

O nazista Hearst, o agente da policia Conquest e outros, têm intrujado milhões de pessoas com as suas mentiras e falsas reportagens. Ainda hoje aparecem as histórias do nazi Hearst em livros recem editados, de escritores pagos pela direita.

A imprensa de Hearst com uma posição monopolista em muitas cidades nos EUA e com agencias de notícias em todo o mundo foi o grande megafone da Gestapo. Num universo dominado pelo capital monopolista foi possivel à imprensa de Hearst transformar as mentiras da Gestapo em verdades e faze-las sair em muitos jornais, estações de radio e mais tarde na televisão em todo o mundo. Quando a Gestapo desapareceu, continuou a guerra suja da propaganda contra o socialismo e a União Soviética, agora com a CIA como patrão. As campanhas anticomunistas na imprensa americana continuaram na mesma escala. "Business as usual" - negócio como sempre, primeiro a Gestapo, depois a CIA.


Robert Conquest - o centro dos mitos

Este homem amplamente citado na imprensa burguesa, um verdadeiro oráculo para a burguesia, merece aqui uma apresentação muito concreta. Robert Conquest é um dos autores que mais tem escrito sobre os "milhões de mortos na União Soviética", na realidade o verdadeiro "pai" de quase todos os mitos e mentiras sobre a União Soviética, difundidos depois da segunda guerra mundial. Conquest é conhecido principalmente pelos seus livros "O grande terror", de 1969, e "Harvest of Sorrow" (Colheita de amargura) de 1986. Conquest escreve sobre milhões de mortos de fome na Ucrânia, nos campos de trabalho Gulag e durante os processos de 1936 a 1938 utilizando como fontes de informação os exilados ucranianos nos EUA pertencentes aos partidos de direita que haviam colaborado com os nazistas na segunda guerra mundial. Muitos dos heróis de Conquest são conhecidos como criminosos de guerra que comandaram e participaram no genocidio dos judeus na Ucrania. Um destes é Mykola Lebed, condenado como criminoso de guerra depois da segunda guerra mundial. Lebed era o chefe de segurança em Lvov durante a ocupação nazi e as terriveis perseguições aos judeus em 1942. Em 1949 a CIA levou Lebed para os Estados Unidos onde tem trabalhado como desinformador.

O estilo nos livros de Conquest é de um anticomunismo violento e fanático. No livro de 1969 diz-nos Conquest que o número de mortos na fome na União Soviética nos anos 1932-33 foi de 5 a 6 milhões de pessoas, metade delas na Ucrânia. Mas em 1983, durante a campanha anticomunista de Reagan, já Conquest aumentava os anos de fome até 1937 e os mortos até 14 milhões! Tal declaração valeu-lhe um trabalho bem pago quando em 1986 foi escolhido por Reagan para escrever o material do livro da campanha presidencial com o fim de preparar o povo americano para uma invasão soviética... O livro chama-se "Que fazer quando os russos vierem, um manual de sobrevivencia"! Um trabalho estranho para um professor de história...

Na realidade, isto não é estranho para um homem que em toda a sua vida tem vivido à custa de mentiras e histórias inventadas sobre a União Soviética e Stáline, primeiro como agente da polícia e depois como escritor e professor da Universidade de Stansfort na California. O passado de Conquest foi exposto no jornal The Gardian em 27 de Janeiro de 1978, num artigo que o apontava como um ex-agente do departamento de desinformação IRD - Information Research Departement, do serviço secreto inglês. O IRD foi uma secção iniciada em 1947 (com o nome inicial de Communist Information Department) tendo como tarefa principal combater a influência dos comunistas em todo o mundo através de "plantar" histórias escolhidas no seio dos politicos, jornalistas e todos os que influenciavam a opinião pública.

As actividades do IRD eram muito amplas, tanto em Inglaterra como no exterior. Quando o IRD teve que ser formalmente extinto em 1977, por causa de contactos com a extrema direita, verificou-se que, só em Inglaterra, mais de 100 dos jornalistas mais conhecidos tinham pessoalmente um contacto com um agente do IRD que regularmente dava ao "seu" jornalista material para os artigos a escrever. Isto era rotina nos grandes jornais ingleses tais como o Financial Times, Times, Observer, Sunday Times, Telegraph, Ekonomist, Daily Mail, Mirror, Express, Guardian e outros. Os factos apresentados pelo jornal The Gardian dão-nos assim uma indicação de como a policia politica dirige as noticias que chegam ao grande público.

Robert Conquest foi agente da IRD desde o começo desta secção da policia secreta e até 1956. O "trabalho" de Conquest era escrever as chamadas "histórias negras" sobre a União Soviética, histórias falsas consideradas como factos, a serem distribuidas a jornalistas e outras pessoas com infuencia na opinião pública. Depois de ter formalmente deixado a IRD, Conquest continuou a escrever textos propostos pela IRD e com o apoio dessa polícia. O seu livro "O grande Terror", livro básico da direita sobre os "milhões de mortos" durante a luta partidária na União Soviética em 1937, é na realidade um compilado de textos que ele escreveu durante a sua vida como agente da IRD. O livro foi acabado e publicado com o apoio da IRD. Um terço dos livros impressos foram comprados pela editorial Praeger que normalmente é conhecida por publicar literatura com origem na polícia política americana, a CIA.

O livro de Conquest tem sido utilizado para ser dado como presente aos chamados "idiotas úteis", a professores universitários e a gente que trabalha na imprensa, rádio e televisão, para garantir que as mentiras de Conquest e da extrema-direita continuem a ser espalhadas por grandes camadas da população. Conquest é ainda hoje uma das fontes mais importantes onde os historiadores de direita vão buscar material sobre a União Soviética.


Alexander Soljenitsyne

Uma outra pessoa sempre associada a livros e artigos de jornal sobre supostos milhões de mortos e presos na União Soviética é o russo Alexander Soljenitsyne. Soljenitsyne tornou-se conhecido no mundo capitalista nos fins dos anos 60 com o seu livro "O Arquipélago de Gulag", sobre a situação dos presos nos campos de trabalho na União Soviética. Ele mesmo esteve preso oito anos condenado por actividades contra-revolucionárias em 1946, por ter distribuido propaganda contra o povo da União Soviética. Segundo Soljenitsyne, a luta contra a Alemanha nazi na segunda guerra mundial tinha sido uma luta desnecessária e todos os sofrimentos impostos ao povo soviético pelos nazis podiam ter sido evitados, se o governo soviético tivesse feito um compromisso com Hitler. Soljenitsyne acusou também o governo soviético e Stáline de serem ainda piores que Hitler e, como ele dizia, pelos terríveis resultados da guerra para o povo da União Soviética. Soljenitsyne não escondia a sua simpatia pelos nazistas. Foi condenado como traidor.

Solzhenitsyn começou em 1962 a publicar livros na União Soviética com o consentimento e ajuda de Nikita Krustchov, sendo o primeiro livro publicado "Um dia na vida de Ivan Denisovitjs" sobre a vida de um preso. Krustchov utilizava os textos de Soljenitsyne para combater a herança socialista de Stáline. Soljenitsyne ganhou em 1970 o Prémio Nobel da literatura com o livro "O Arquipelago de Gulag". Os seus livros começaram então a ser publicados em grandes quantidades nos países capitalistas, tornando-se o autor um dos instrumentos mais importantes do imperialismo no combate ao socialismo e à União Soviética. Aos seus textos sobre os campos de trabalho juntou-se outra propaganda sobre os supostos milhões de mortos na União Soviética o que foi utilizado nos mass-media capitalistas como sendo verdades. Em 1974 Soljenitsyne deixou a seu pedido de ser cidadão soviético emigrando para a Suiça e mais tarde para os Estados Unidos. Nesta altura era considerado na imprensa capitalista como o maior lutador pela liberdade e democracia. As suas simpatias nazis foram enterradas para não perturbar a guerra de propaganda contra o socialismo.

Nos Estados Unidos, Soljenitsyne foi convidado muitas vezes para fazer intervenções em reuniões importantes. Ele foi por exemplo o principal orador no congresso dos sindicatos AFL-CIO em 1975 e em 15 de Julho de 1975 foi convidado para fazer um discurso sobre a situação no mundo,no Senado dos EUA!

Os discursos de Soljenitsyne eram de uma agitação violenta e provocativa, argumentando e fazendo propaganda pelas ideias mais reacionárias. Entre outras coisas bateu-se por novos ataques ao Vietnam depois da vitória deste sobre os EUA. E mais: depois de 40 anos de fascismo em Portugal, quando os oficiais do exército  tomaram o poder na revolução popular de 1974, Soljenitsyne começou a fazer propaganda por uma intervenção militar dos EUA em Portugal, que, dizia ele, iria ser membro do tratado de Varsóvia se os EUA não interviessem!
Nos seus discursos, Solzhenitsyn lamentava sempre a libertação das colónias portuguesas em África.

Mas é claro que o ponto principal dos discursos de Soljenitsyne era sempre a guerra suja contra o socialismo. Desde execuções supostas de milhões e milhões de pessoas na União Soviética até às dezenas de milhares de americanos presos e escravisados que Soljenitsyne dizia existirem no Vietnam do Norte! Foi esta ideia de Soljenitsyne de americanos utilizados como escravos no Vietnam do Norte que deu origem aos filmes Rambo sobre a guerra do Vietnam.

Os jornalistas americanos que tinham ousado escrever sobre paz entre os EUA e a União Soviética eram acusados por Soljenitsyne nos seus discursos como sendo traidores potenciais. Soljenitsyne fazia também propaganda por um aumento da capacidade militar dos EUA contra a União Soviética, que ele dizia ser mais poderosa em "tanques e aviões, de cinco a sete vezes mais que os EUA" e em armas atómicas que "em breve" seriam "duas, três e por fim cinco" vezes mais potentes que as dos EUA. Os discursos de Soljenitsyne nos EUA eram a voz da extrema-direita, mas ele iria ainda mais longe, mais à direita, em apoio público ao fascismo.


Em apoio do fascismo de Franco
                                                                                                                                
Depois da morte de Franco em 1975 o regime fascista espanhol começou a perder o controlo da situação politica e no começo de 1976 os acontecimentos em Espanha tomaram um carácter tal que cativaram a opinião pública mundial. Greves e demonstrações exigiam democracia e liberdade e o herdeiro de Franco, o rei Juan Carlos, foi obrigado a iniciar uma liberalisação muito cuidadosamente, para acalmar a agitação social. Ora neste momento importante para a vida politica espanhola, aparece Alexander Soljenitsyne em Madrid e dá uma entrevista ao programa "Directisimo" um sábado á noite, em 20 de Março, na melhor hora televisiva (jornais ABC e Ya de 21 de Março de 1976). Soljenitsyne que tinha recebido as perguntas preiamente, utilizou a oportunidade para fazer todo o tipo de declarações reaccionárias. A sua intenção não foi de dar um apoio à chamada liberalisação do rei. Ao contrário, Soljenitsyne prevenia as pessoas contra as reformas democráticas.

Na sua intervenção na televisão declarou que "Cento e dez milhões de russos morreram vítimas do socialismo" e comparou "a escravidão a que estavam submetidos os soviéticos à liberdade que se disfrutava em Espanha". Soljenitsyne acusou também os "círculos progressistas" de "utópicos" por considerarem Espanha como uma ditadura. Os progressistas eram toda a oposição democrática de liberais a social-democratas e comunistas. "No Outono passado -  disse Soljenitsyne - a opinião pública mundial estava preocupada com a sorte dos terroristas espanhóis (referia-se aos cinco antifascistas condenados à morte e executados pelo regime de Franco). Cada vez mais a opinião pública progressista exige reformas políticas imediatas, ao mesmo tempo que apoia os actos terroristas". "Os que querem reformas democráticas rápidas, saberão o que virá a suceder amanhã ou depois de amanhã? A Espanha, amanhã poderá ter democracia, mas depois de amanhã, saberá não cair no totalitarismo depois da democracia?" Às perguntas cuidadosas dos jornalistas se tais declarações não podiam ser vistas como um apoio a regimes de países onde não existia liberdade respondeu Soljenitsyne que "eu conheço somente um sítio onde não há liberdade, esse sítio é a Rússia". As declarações de Soljenitsyne na televisão espanhola foram um apoio directo ao fascismo espanhol, uma ideologia que ele ainda hoje apoia.

Esta é uma das razões porque Soljenitsyne desapareceu cada vez mais dos discursos públicos durante os seus 18 anos de exilio nos EUA e uma das causas porque os governos capitalistas não lhe dão total apoio politico. Para os capitalistas foi uma benção dos céus poder utilizar um homem como Soljenitsyne na guerra suja contra o socialismo, mas tudo tem os seus limites.

Na nova Rússia capitalista o que dicide o apoio do mundo ocidental aos grupos politicos é pura e simplesmente a possibilidade de fazer bons negócios com bons lucros ao abrigo da política desses grupos. O fascismo como alternativa política para a Rússia não é considerado como politica que estimule os negócios. Por isso o projecto político de Soljenitsyne para a Rússia é letra morta no que diz respeito a apoio do mundo ocidental.

É que Soljenitsyne quer como futuro político para a Rússia a volta do regime autoritário dos Czares, em ligação com a igreja tradicional russa-ortodoxa! Nem os imperialistas mais arrogantes estão interessados em apoiar uma estupidez politica deste calibre. Para encontrar apoio a Soljenitsyne no mundo ocidental há que rebuscar na idiotia intelectual da extrema-direita.


Nazis, polícias e fascistas!

Assim são eles, os mais dignos representantes dos mitos burgueses dos "milhões de mortos e presos na União Soviética" - o nazi William Hearst, o agente da polícia Robert Conquest e o fascista Alexander Soljenitsyne. Conquest tem tido o papel principal, sendo as suas informações utilizadas pelos mass-medias capitalistas em todo o mundo e formando inclusivamente uma escola dentro de certas universidades. O trabalho de Conquest é sem dúvida um trabalho de desinformação policial de primeira classe. Na década de 1970 Conquest teve uma grande ajuda de Soljenitsyne e de uma série de figuras de segunda com Andrei Sakharov e Roy Medvedev. Além disso apareceu um pouco por todo o mundo uma série de especuladores em mortos e presos a quem a imprensa burguesa sempre pagou a preço de ouro. Mas a realidade dos factos foi por fim apresentada e mostra a verdadeira cara de todos estes falsificadores da história. A ordem de Gorbatchov para abrir os arquivos secretos do Partido à investigação histórica teve consequências que ninguém podia prever.


Os arquivos mostram as mentiras da propaganda

A especulação sobre milhões de mortos na União Soviética é uma parte da guerra suja de propaganda contra a União Soviética e por isso mesmo os desmentidos e esclarecimentos oficiais dos soviéticos nunca foram levados a sério e nunca tiveram lugar na imprensa capitalista. Eram, pelo contrário, alvo de troça, enquanto que aos "especialistas" comprados pelo capital foi dado todo o espaço requerido para difundirem as suas fantasias. Que fantasias eram realmente! O que os milhões de mortos e presos proclamados por Conquest e outros "criticos" têm de comum, é que são produto de apróximações estatísticas falsas e métodos de avaliação sem base científica.


Métodos falsos dão milhões de mortos

Conquest, Soljenitsyne, Medvedev e outros utilizaram-se de estatística publicada pela União Sovética, por exemplo escrutínios nacionais da população, aos quais adicionaram um suposto aumento populacional sem ter em conta a situação real existente no país. Assim, chegaram à conclusão de quantas pessoas deveria de haver no país no final de certos anos. As pessoas que faltavam eram apresentadas como mortos e presos à conta do socialismo. Um método simples mas totalmente falso.

Este tipo de "revelação" de acontecimentos políticos tão importantes nunca passaria se a "revelação" fosse sobre o mundo ocidental. Nesse caso teria havido com toda a certeza professores e historiadores que se levantariam contra tal falsificação. Mas como o que estava em causa era a União Soviética, a falsificação tem passado. Um dos motivos é certamente o de que professores e historiadores põem as possibilidades de avançar na carreira profissional em primeiro lugar e só muito depois a honra profissional.


Em números, quais foram afinal as conclusões dos "criticos"?

Segundo Robert Conquest (numa avaliação feita em 1961) tinham morrido 6 milhões de pessoas de fome na União Soviética no principio dos anos 30. Este número foi aumentado por Conquest para 14 milhões em 1986. No que diz respeito aos campos de trabalho Gulag, estavam ali detidos, segundo Conquest, 5 milhões de presos em 1937, antes das depurações no partido no exército e no estado terem começado. Depois das depurações começarem, vieram segundo Conquest, durante 1937-38, mais 7 milhões de presos o que faz um resultado de 12 milhões de presos nos campos de trabalho em 1939! E não esqueça o leitor que estes 12 milhões do Conquest são SOMENTE os presos politicos! Nos campos de trabalho havia também criminosos de delito comum, os quais, segundo Conquest seriam em número muito maior que os presos politicos. Isto significa que, segundo Conquest, havia cerca de 25-30 milhões de presos nos campos de trabalho na União Soviética.

Também segundo Conquest foram executados em 1937-39 um milhão de presos politicos enquanto que 2 milhões morreram à fome. Resultado final das depurações de 1937-39 segundo Conquest, 9 milhões de presos politicos e 3 milhões de mortos! Estes números foram em seguida submetidos a "apreciações estatísticas" por Conquest para concluir que os bolcheviques tinham morto nada menos que 12 milhões de presos políticos entre 1930 e 1953. Juntando esses números aos mortos de fome nos anos 30, chega Conquest à conclusão de que os bolchviques haviam morto 26 milhões de pessoas. Numa úlitma apreciação estatística, diz Conquest que em 1950 havia 12 milhões de presos na União Soviética!

Alexander Soljenitsyne utilizou mais ou menos as mesmas apreciações estatísticas que Conquest. Mas, usando os métodos pseudo-científicos com outras premissas, chega ainda a conclusões mais extremas. Soljenitsyne aceita os numeros de Conquest de 6 milhões de mortos na fome de 1932-33; no entanto, com respeito às depurações de 1936-39 considera que morreram no mínimo 1 milhão por ano! Fazendo um resumo, diz-nos Soljenitsyne que desde as colectivações da agricultura até à morte de Stáline em 1953, tinham os comunistas morto 66 milhões de pessoas na União Soviética. Além disso aponta o governo soviético como culpado pela morte de 44 milhões de russos que ele afirma terem morrido na segunda guerra mundial. A conclusão de Soljenitsyne é que "110 milhões de russos morreram, vítimas do socialismo". No que diz respeito a presos, diz-nos Soljenitsyne, que o número de pessoas nos campos de trabalho em 1953 era de 25 milhões!


Gorbatchov abre os arquivos

A colecção de números fantásticos acima apresentada, um produto de fantasias muito bem pagas, tem saído na imprensa burguesa desde os anos 60, tendo esses números sempre sido apresentados como factos verdadeiros obtidos na base de métodos científicos. Por detrás desta falsificação estão as policias políticas ocidentais, principalmente a americana CIA e a inglesa MI5. O impacto dos mass-media na ópinião publica é tão grande que os números hoje são ainda considerados verdadeiros em grandes camadas das populações dos países ocidentais. Esta situação penosa tem piorado. Na própria União Soviética onde Soljenitsyne e outros criticos conhecidos, como Andrei Sacharov e Roy Medvedev, não encontravam nenhum apoio para os números fantásticos, houve uma mudança significativa em 1990. Na nova "imprensa livre" durante Gorbatchov, tudo o que se opunha ao socialismo era apresentado como positivo, o que teve consequências desastrosas. Uma inflação sem igual começou a aumentar a quantidade de mortos e presos durante o socialismo, que agora se misturavam num só grupo de dezenas de milhões de "vitimas" dos comunistas.

A histeria na nova imprensa livre de Gorbatchov levou por diante as mentiras de Conquest e Soljenitsyne. Ao mesmo tempo, foram abertos por Gorbatchov os arquivos do Comité Central para investigação histórica, o que era exigido pela imprensa livre. A abertura dos arquivos do Comité Central do Partido Comunista é, na realidade, a questão central desta história confusa, isto por duas razões. Em parte porque nos arquivos se encontram todos os factos que podem esclarecer a verdade. Mas ainda mais importante porque todos os especuladores de mortos e presos na União Soviética têm dito durante anos e anos que no dia em que os arquivos se abrissem os números por eles apresentados seriam confirmados! Todos os especuladores em mortos e presos afirmaram que assim seria, todos: Conquest, Soljenitsyne, Sacharov, Medvedev e os demais. Mas quando os arquivos foram abertos e os estudos dos documentos existentes começaram a ser publicados, aconteceu uma coisa muito estranha.

De repente, já nem a imprensa livre de Gorbatchov nem os especuladores em presos e mortos estavam interessados nos arquivos!

Os resultados das investigações feitas nos arquivos do Comité Central pelos historiadores russos Zemskov, Dougin e Xlevnjuk que se começaram a publicar em 1990 em revistas científicas, passaram totalmente despercebidos! Os relatórios com os resultados das investigações históricas iam contra a corrente da inflação em mortos e presos da imprensa ‘livre’ mas permaneceram desconhecidos. Os relatórios foram publicados em revistas cientificas de pouca venda, práticamente desconhecidas do grande público.

Os relatórios cientificos não podiam concorrer com a histeria da imprensa, ganhando as mentiras de Conquest e Soljenitsyne o apoio de muitas camadas da população na União Soviética, hoje Rússia. Também no ocidente, os relatórios dos investigadores russos sobre o sistema correccional durante Stáline, passaram sem noticías de primeira página ou reportagens na televisão. Porquê?


O que dizem os relatórios dos investigadores russos?

Os relatórios da investigação do sistema correctivo soviético são expostos num trabalho com cerca de 9.000 páginas. Os investigadores que escreveram os relatórios são vários, sendo os mais conhecidos os históriadores russos V.N. Zemskov, A.N. Dougin e O.V. Xlevnjuk. O seu trabalho foi começado a publicar em 1990, estando em 1993 praticamente acabado e totalmente publicado na Rússia. Os relatórios da investigação chegaram ao conhecimento do ocidente em colaboração com investigadores de diversos países ocidentais. Os dois trabalhos conhecidos pelo autor deste texto, são o trabalho apresentado em França na revista L'Histoire em Setembro de 1993 por Nicolas Werth, chefe investigador do instituto francês de investigação científica, CNRS, (Centre National de la Recherche Scientifique) e o trabalho publicado nos EUA na revista The American Historical Review por J. Arch Getty, professor de história da Universidade da California, Riverside em conjunto com G.T. Rettersporn, investigador do instituto francês de investigação CNRS e o investigador russo V.N. Zemskov do instituto de História Russa da Academia das Ciencias Russa.

Existem também hoje em dia livros sobre o assunto escritos pelos investigadores acima mensionados ou por outros investigadores dos mesmos grupos de investigação. Antes de entrarmos no assunto quero deixar aqui esclarecido, para que não haja confusão futura, que nenhum dos cientistas envolvidos nestes trabalhos tem uma visão socialista do mundo, mas sim um compreesão burguesa e anti-socialista, muitas vezes bastante reaccionária. Isto dito para que o leitor não pense que o que se vai expor é produto de uma "conspiração comunista". O que acontece quando os investigadores acima citados, desfazem completamente as mentiras de Conquest, Soljenitsyne, Medvedev e outros, é que o fazem simplesmente pelo facto de que põem a honra profissional em primeiro lugar e não se deixam comprar para efeitos de propaganda.

Os relatórios de investigação russos dão resposta a uma quantidade muito grande de perguntas sobre o sistema correccional soviético. Para nós é o tempo de Stáline que é o mais interessante para estudar, pois é aí que está a causa da discussão. Nós pomos algumas perguntas muito concretas e procuramos as respostas no material das revistas L'Histoire (L'H) e The American Historical Review (AHR). Esta será a melhor maneira de pôr em debate algumas das partes mais importantes do sistema correccional soviético. As perguntas são as seguintes:

1. O que era o sistema correccional soviético?
2. Qual era o número de presos, "politicos" e de delito comum?
3. Quantos mortos houve nos campos de trabalho?
4. Quantos foram os condenados à morte até 1953 e em especial durante as depurações de 1937-38?
5. Qual era, em geral, o tempo de prisão?

Depois de termos respondido às 5 perguntas, pomos em discussão as penas impostas aos dois grupos mais debatidos, quando a questão dos presos e mortos na União Soviética se põe, nomeadamente os kulakos condenados em 1930 e os contra-revolucionários de 1936-38.


Os campos de trabalho no sistema correcional

Comecemos com a pergunta 1

Sobre o sistema correcional soviético.

Depois de 1930 o sistema correcional soviético compreendia prisões, campos de trabalho e colónias de trabalho do Gulag, zonas especiais abertas e pagamento de multas. Aquele que recebesse voz de prisão era geralmente colocado numa prisão normal enquanto se faziam as investigações que poderiam demonstrar a sua inocencia e dar-lhe liberdade ou levar o caso a julgamento. O acusado levado a julgamento podia ser considerado inocente e ganhar a liberdade ou caso fosse julgado culpado condenado a uma pena de multa, prisão ou. em casos mais raros, pena de morte. A pena de multa podia ser uma certa percentagem do salário durante um certo tempo. Os acusados julgados a pena de prisão podiam ser postos em diferentes tipos de prisão dependendo do tipo de crime.

Para os campos de trabalho Gulag iam os criminosos de crimes graves (homicidio, roubo, violação, crimes económicos, etc.) e uma grande parte dos condenados por actividades contra-revolucionárias. Outros crminosos com pena superior a três anos podiam também ser postos em campos de trabalho. Depois de um tempo num campo de trabalho o preso podia ser mudado para uma colónia de trabalho ou uma zona especial aberta. Os campos de trabalho eram zonas muito grandes onde os condenados viviam e trabalhavam debaixo de um grande controlo. Trabalhar e não ser um peso para a sociedade era coisa evidente, nenhuma pessoa saudável passava sem trabalhar. Pode ser que alguém hoje em dia pense que isto é terrivel, mas esta era a realidade. O número de campos de trabalho era de 53 em 1940. As colónias de trabalho do Gulag eram 425, unidades muito mais pequenas que os campos de trabalho e com um regime mais livre e com menos controlo. Para aí iam os presos com penas de prisão mais pequenas, tanto de delito comum ou políticos, trabalhando em liberdade em fábricas e na agricultura, que eram uma parte da economia da sociedade civíl. Na maioria dos casos o salário desses trabalhos revertia por inteiro ao condenado, em igualdade com os outros trabalhadores.

As zonas especiais abertas eram em geral zonas agrícolas para as quais eram exilados os kulakos que tinham sido expropriados durante a colectivação. Outros condenados por penas menores ou actividades contra-revolucionárias podiam também cumprir as penas nestas zonas.



454 Mil e não 9 milhões!

Segunda pergunta

Qual era o número de presos "politicos" e de delito comum?

A questão inclúi os presos nos campos de trabalho e nas colónias de trabalho do Gulag e nas prisões, ainda que tendo em conta que a privação da liberdade nas colónias de trabalho era na maioria dos casos reduzida. Vejamos os números do quadro abaixo do material da AHR respeitante ao periodo de vinte anos a começar em 1934 quando o sistema correcional foi reunido numa administração central e até 1953 quando Stáline morreu.


Tabela de The American Historical Review


Da tabela acima há uma série de conclusões a tirar. Para começar podemos comparar os números da tabela com os de Robert Conquest. Este diz-nos que em 1939 havia 9 milhões de presos politicos nos campos de trabalho e que 3 milhões mais tinham morrido durante o periode de 1937-39. Não esqueça o leitor que os números de Conquest se referem apenas a presos políticos! Além desses, diz-nos Conquest que havia os presos de delito comum que segundo ele eram em muito maior número que os "políticos". Em 1950 havia segundo Conquest 12 milhões de presos politicos! Com os factos na mão podemos ver agora o falsificador que este Conquest na realidade é. Não há um único número que corresponda à realidade. No ano de 1939 havia em todos os campos, colónias e prisões cerca de 2 milhões de presos. Desses eram 454 mil condenados por crimes politicos e não 9 milhões como Conquest afirma. Os mortos nos campos de trabalho de 1937 a 1939 foram cerca de 160 mil e não 3 milhões como diz Conquest. No ano de 1950 havia nos campos de trabalho 578 mil presos por crimes politicos e não 12 milhões. Não esqueça o leitor que este Robert Conquest ainda hoje é uma das fontes mais importantes da propaganda da direita contra o comunismo. Para os pseudo-intelectuais da direita Conquest é como um deus. No que diz respeito aos números de Alexander Soljenitsyne, os 60 milhões de mortos nos campos de trabalho, não há necessidade de comentários, o ridiculo da afirmação é evidente. Só uma mente enferma pode afirmar tais fantasias.

Deixemos agora os falsificadores e façamos uma análise concreta das estatisticas do Gulag. A primeira questão que se põe é o que pensar do número de pessoas no sistema correccional. Que significado tem o número mais alto de 2,5 milhões? Cada pessoa posta em prisão é um testemunho de que a sociedade ainda não se desenvolveu para poder dar a cada cidadão o necessário para uma vida positiva. Vendo as coisas desta maneira são os 2,5 milhões uma nota negativa para a sociedade.


A ameaça interna e externa
Mas ao número de pessoas abrangidas pelo sistema correccional tem que ser dada uma explicação mais concreta. A União Soviética era um país que recentemente tinha deixado o feudalismo e a herança social no que diz respeito ao valor humano era muitas vezes um peso para a sociedade. No sistema antigo com os Csares, os trabalhadores eram obrigados a viver numa miséria profunda e a vida humana não tinha muito valor. Roubos e crimes violentos eram punidos com uma violência sem limites. Revoltas contra a monarquia acabavam usualmente com massacres, condenações à morte e penas de prisão muito grandes. Estas relações sociais e a maneira de pensar com elas relacionada levam muito tempo a mudar, tendo isto influenciado o desenvolvimento da sociedade na União Soviética e também a criminalidade no país.

Outro factor a ter em conta é que a União Soviética, um país que nos anos trinta tinha cerca de 160-170 milhões de habitantes, estava fortemente ameaçada por potências estrangeiras. Na base das grandes mudanças politicas na Europa na década de 1930, vinha a principal ameaça de guerra da Alemanha nazi, ameaça contra a sobrevivencia dos povos eslavos, constituindo também as democracias ocidentais um bloco com intenções intervencionistas. Esta situação muito séria foi resumida por Stáline em 1931 com as seguintes palavras "Estamos atrasados entre 50 a 100 anos em relação aos países avançados. Temos que percorrer esta distância em 10 anos. Ou o fazemos ou seremos arrasados". Dez anos depois, em 22 de Junho de 1941, a União Soviética era invadida pela Alemanha nazi e os seus aliados. A sociedade soviética foi obrigada a grandes esforços durante o decénio de 1930-40, sendo a maior parte dos recursos utilizados nos preparativos de defesa para a guerra contra os nazis. Isto fez com que as pessoas tivessem uma vida de trabalho sem grandes compensações a nível pessoal. A reforma de 7 horas de trabalho diário teve que ser retirada em 1937 e em 1939 eram quase todos os domingos dia de trabalho. Num periodo dificil como este em que uma grande guerra determinou o desenvolvimento social durante duas décadas, 1930 e 1940, uma guerra que custou à União Soviética 25 milhões de vidas perdidas e metade do país em cinzas, aumentou a criminalidade quando as pessoas tentavam obter aquilo que a vida não lhe podia dar.
Durante este tempo muito dificil na União Soviética havia como máximo 2,5 milhões de pessoas no sistema correcional ou seja 2,4% da população adulta. Como se poderá avaliar este número? É muito ou pouco? Façamos uma comparação.

Mais presos nos EUA
Por exemplo nos Estados Unidos da América, um país com 252 milhões de habitantes em 1996, o país mais rico do planeta que consome sózinho 60% dos recursos mundiais, quantas pessoas há no sistema correcional? Qual é a situação neste país que não é ameaçado por nenhuma guerra e onde não existem mudanças sociais que possam ameaçar a estabilidade económica? Numa notícia (bem pequena) nos jornais em Agosto de 1997, do serviço de notícias FLT-AP dizia-se que nos EUA "nunca anteriormente tinham existido tantas pessoas no sistema correcional como 5,5 milhões em 1996". Isto representa um aumento de 200 mil pessoas desde 1995 o que faz com que o número de criminosos nos EUA "seja 2,8% da população adulta". Estes dados vêm todos do departamento de justiça norte-americano. O número de pessoas condenadas como criminosas nos EUA é hoje superior em 3 milhões ao que foi o máximo na União Soviética! Na União Soviética houve no máximo 2,4% da população adulta condenada por crime - nos EUA estão condenados 2,8% e a quantidade continua a crescer! Segundo um comunicado à imprensa do departamento de justiça dos EUA de 18 de Janeiro de 1998, aumentou o número de presos nos EUA em 1997 com 96.100 pessoas.

E no que diz respeito aos campos de trabalho soviéticos é verdade que era um regime duro e dificil para os presos, mas veja-se bem como é hoje a situação nas prisões nos EUA onde por todo o lado existe violência, drogas, protituição e escravatura sexual (290.000 violentados por ano nas prisões dos EUA). Ningém se sente em segurança nas prisões nos EUA! Isto num tempo moderno, na sociedade mais rica de sempre!


Um factor importante - falta de medicamentos
Respondamos agora à pergunta número 3
Quantos foram os mortos nos campos de trabalhos?
Os casos de morte nos campos de trabalho variaram nuito de ano para ano, de 5,2% em 1934 a 0,3% em 1953. Os casos de morte nos campos de trabalho eram causados pela falta de recursos na sociedade, em primeiro lugar falta de medicamentos para combater epidemias. Este problema não era especifico dos campos de trabalho, existindo igualmente na sociedade em geral como também na grande maioria dos países do mundo. Depois dos antibióticos terem sido descobertos e começado a ser utilizados depois da segunda guerra mundial, a situação modificou-se radicalmente. Na realidade, os anos mais dificeis foram os anos de guerra quando o barbarismo nazi obrigou todos os cidadãos da União Soviética a viver uma vida muito dura. Durante estes quatro anos morreram nos campos de trabalho mais de meio milhão de presos o que é mais de metade de todos os mortos durante 20 anos. Não esqueçamos que no mesmo periodo, nos anos da guerra, morreram 25 milhões de pessoas na sociedade ‘livre’. Quando as condições na União Soviética melhoraram no decénio de 1950 e com o uso de antibióticos o número de mortos entre os presos diminuiu para 0,3%.

Vejamos agora a pergunta número 4
Quantos foram os condenados à morte até 1953 e em especial durante as depurações de 1937-38? Já vimos os números de Robert Conquest de 12 milhões de presos politicos que os bolcheviques teriam matado nos campos de trabalho de 1930 a 1953, dos quais 1 milhão em 1937-38. Os números de Soljenitsyne são de dezenas de milhões de mortos nos campos de trabalho, dos quais 3 milhões foram mortos em 37-38. Mas ainda tem havido números mais elevados citados na propaganda suja contra a União Soviética. A russa Olga Shatunovskaia, por exemplo, dá-nos um número de 7 milhões de mortos nas depurações de 1937-38!

Mas os documentos dos arquivos soviéticos agora publicados dão-nos uma informação diferente. É preciso dizer em primeiro lugar que os números dos condenados à morte se encontram em vários arquivos e que os investigadores para nos darem um resultado aproximativo são obrigados a recolher dados desses arquivos com um certo risco de contagem dupla e portanto de darem um número maior de o que foi na realidade. Segundo Dmitrii Volkogonov, o chefe dos anteriores arquivos soviéticos nomeado por Jeltsin, foram condenados à morte 30 514 pessoas por tribunais militares de 1 de Outubro de 1936 a 30 de Setembro de 1938. Uma outra informação que agora existe vem da KGB. Segundo uma informação à imprensa em Fevereiro de 1990 tinham 786 098 pessoas sido condenadas à morte por crimes contra a revolução durante os 23 anos de 1930 até 1953. Desses condenados tinham, segundo a KGB, 681 692 sido condenados em 1937-38. Não há possibilidade de fazer um controle das informações que a KGB nos dá, mas esta última afirmação é duvidosa. Seria muito estranho tantos condenados em dois anos. Será que a actual KGB pró-capitalista nos dá uma informação correta da KGB pró-socialista? Em todo o caso veio-se a verificar que as estatisticas que estão na base da informação da KGB mostram que o número mencionado de condenados à morte durante esses 23 anos se refere a criminosos de delito comum e contrarevolucionários e não apenas a contrarevolucionários como a KGB pró-capitalista referiu na informação à imprensa em Fevreiro de 1990. Dos arquivos tira-se também a conclusão de que o número de criminosos condenados à morte era aproximadamente igual para os de delito comum e os contra-revolucionários.

A conclusão a que podemos chegar é de que o número de condenados à morte em 1937-38 foi de cerca de 100 mil e não de vários milhões como tem sido apresentado na propaganda ocidental. É preciso também ter em conta que nem todos os condenados à morte na União Soviética eram executados. Uma grande parte passava a pena de prisão nos campos de trabalho. Também é importante fazer uma diferença entre criminosos de delito comum e contrarevolucionários. Muitos dos condenados à morte eram criminosos condenados por crimes violentos como assassínio ou violação. Este tipo de crime era há sessenta anos penalizado com sentença de morte numa grande parte dos países do mundo.

Pergunta número 5  
Qual era em geral o tempo de prisão?
O tempo de prisão dos condenados é uma das questões em que os rumores da propaganda ocidental têm sido dos piores. A descrição geral é de que estar preso na União Soviética significava anos sem conta na prisão - quem para lá entrava já não saía. Isto é completamente falso! A grande maioria dos presos no tempo de Stáline, na realidade, foi condenada, no máximo, a 5 anos de prisão!

A estatistica de AHR dá-nos factos concrectos. Os criminosos de delito comum na Federação russa em 1936 receberam as seguintes penas de prisão - até 5 anos, 82,4% - de 5 a 10 anos 17,6%. (10 anos - pena máxima de prisão até 1937). Os criminosos politicos condenados na União Soviética em tribunais civis em 1936 receberam as seguintes penas de prisão - até 5 anos, 44,2% - de 5 a 10 anos 50,7%. No que diz respeito aos condenados nos campos de trabalho Gulag, onde as penas maiores eram cumpridas, a estatistica de Janeiro de 1940 é a seguinte - até 5 anos, 56,8% - de 5 a 10 anos, 42,2% - mais de 10 anos, 1,0%. Para o ano de 1939 temos estatísticas dos tribunais da União Soviética. A distribuição das penas de prisão é a seguinte - até 5 anos, 95,9% - de 5 a 10 anos. 4,0% - mais de 10 anos, 0,1%. Como vemos é a suposta infinidade do tempo de prisão na União Soviética, mais um mito espalhado no ocidente para combater o socialismo.

As mentiras sobre a União Soviética
Uma breve discussão sobre os relatórios dos investigadores
As investigações dos históriadores russos revelam uma realidade totalmente diferente da que tem sido ensinada nas escolas e universidades do mundo capitalista durante os últimos cinquenta anos. Durante esses cinquenta anos de guerra fria têm várias gerações aprendido só mentiras sobre a União Soviética e isto tem deixado marcas profundas em muitas pessoas. Este facto constatado também se verifica nos relatórios dos investigadores franceses e americanos. Nestes relatórios são-nos dados números e tabelas de presos e mortos, discutindo-se esses números num trabalho de grande amplitude. Mas o principal e mais importante, isto é, os crimes praticados pelos presos, nunca é alvo de uma discussão séria! A propaganda política dos capitalistas tem-se referido sempre aos presos na União Soviética como sendo vítimas e os investigadores utilizam este termo sem pôr em questão a sua veracidade. Quando os investigadores passam das colunas de estatística aos comentários sobre os acontecimentos, vêm as concepções burguesas à luz e o resultado é por vezes macabro. Os condenados no sistema correcional soviético são chamados vítimas, mas o facto é que a maioria eram ladrões, assassinos, violadores, etc. Criminosos deste calibre nunca seriam tratados como "víitimas" na imprensa, se os crimes fossem cometidos na Europa ou nos EUA. Mas como os crimes foram cometidos na União Soviética tudo é possivel. Chamar "vítima" a um assassino ou violador que repete o crime é coisa muito suja. Uma tomada de posição pela justiça soviética no que diz respeito aos criminosos de delito comum condenados por crimes violentos deveria de ser consequente, se não no tipo de pena pelo menos na questão da condenação do crime.


Os koulaks e a contra-revolução


No que diz respeito aos contra-revolucionários é também importante discutir os crimes de que foram acusados. Discutamos dois exemplos para mostrar o fundo da questão, em primeiro lugar os koulaks condenados no começo da década de 1930 e depois os conjurados e contra-revolucionários condenados em 1936-38. Segundo os relatórios publicados sobre os koulaks, os camponeses ricos, foram 381 mil familias ou seja cerca de 1,8 milhões de pessoas condenadas a exílio. Uma pequena parte dessas pessoas foi condenada a penas nos campos de trabalho ou em colónias de trabalho. Mas qual foi a causa da condenação desses koulaks?

O camponês rico russo, o koulak, sujeitou os camponeses pobres durante centenas de anos a uma opressão sem limites e a uma exploração sem considerações. Dos 120 milhões de camponeses em 1927, viviam 10 milhões de koulaks na abundância e os restantes 110 milhões ainda na pobreza - antes da revolução na mais completa das misérias. A riqueza dos koulaks vinha do trabalho mal pago aos camponeses pobres. Quando os camponeses pobres se começaram a juntar em colectivos agricolas desapareceu a principal fonte de riqueza dos koulaks. Mas os koulaks não desistiram, tentando retomar a exploração através da fome. Grupos de koulaks armados atacavam os colectivos agrícolas, matavam camponeses pobres e funcionários do partido, deitavam fogo aos campos e matavam os animais de trabalho. Provocando a fome entre os camponeses pobres os koulaks tentavam garantir a continuação da pobreza e da sua posição de poder. Os acontecimentos que se sucederam não foram o que os assassinos tinham pensado. Desta vez os camponeses pobres foram apoiados pela revolução e mostraram-se mais fortes do que os koulaks, os quais foram derrotados, presos e condenados a exílio ou a penas em campos de trabalho.

Dos 10 milhões de koulaks foram 1,8 milhões condenados. Houve talvez injustiças nesta enorme luta de classes nos campos soviéticos que contava com 120 milhões de pessoas. Mas poderemos acusar os pobres e os oprimidos, na sua luta por uma vida que valha a pena viver, na sua luta para que os filhos não viessem a ser analfabetos com fome, de não serem civilizados ou inclementes nos seus juizos? Podem-se acusar os que durante centenas de anos nunca tiveram acesso aos avanços da civilização de não serem civilizados? E digam-nos, quando foi a classe exploradora dos koulaks civilizada ou clemente para com os camponeses pobres durante anos e anos de exploração sem fim?


As depurações de 1937


O nosso segundo exemplo, sobre os contra-revolucionários condenados nos julgamentos de 1936-38 depois das depurações no partido, exército e no aparelho estatal, tem raizes na história do movimento revolucionário na Rússia. Milhões de pessoas participaram na luta vitoriosa contra o Czar e a burguesia russa, vindo muitos deles a entrar para o Partido Comunista. Entre todas essas pessoas havia infelizmente os que tinham entrado para o Partido por outras razões do que para lutar pelo poder proletário e pelo socialismo. Mas a luta de classes era tal que muitas vezes não havia tempo nem possibilidades para pôr à prova os novos militantes. Até mesmo militantes de outros partidos que se diziam socialistas e que tinham combatido o partido bolchevique foram aceites no Partido Comunista. A uma parte desses novos militantes foram dados postos importantes no partido bolchevique, estado e exército, tudo dependendo da sua capacidade individual para conduzir a luta de classes.

Eram tempos muito dificeis para o jovem estado soviético e a grande falta de quadros, ou simplesmente de pessoas que soubessem ler, obrigava o partido a não fazer grandes exigências no que diz respeito à qualidade dos novos militantes e quadros. De todos estes problemas formou-se com o tempo uma contradição que dividiu o partido em dois campos - de um lado os que queriam ir para a frente na luta pela sociedade socialista, por outro lado os que consideravam que ainda não havia condições para realisar o socialismo e que propunham uma politica social-democrática. A origem desta últimas ideias vinha de Trotski, que tinha entrado para o Partido Comunista em Julho de 1917. Trotski foi com o tempo obtendo apoio de alguns dos bolcheviques mais conhecidos. Esta oposição unida contra os ideais bolchiques originais era uma das opções na votação partidária sobre a politica a seguir pelo Partido, realizada em 27 de Dezembro de 1927. Antes desta votação tinha havido uma grande discussão partidária durantes vários anos e não houve dúvida quanto ao resultado. Dos 725 000 votos a oposição só obteve 6.000 - ou seja, menos de 1% dos militantes do Partido apoiaram a oposição unida.

Em consequencia da votação e uma vez que a oposição trabalhava por uma política diferente da do Partido, o Comité Central do Partido Comunista decidiu expulsar do partido os principais dirigentes da oposição unida. A pessoa central da oposição, Trotski, foi expulsa da União Soviética. Mas a história da oposição não acabou aqui. Zinoviev, Kamenev e Evdokimov fizeram pouco depois autocrítica, assim como vários dos principais trotskistas como Pjatakov, Radek, Preobrajenski e Smirnof. Todos esses foram novamente aceites como militantes do partido e retomaram os seus trabalhos no Partido e no estado. Com o tempo verificou-se que as autocríticas da oposicão não eram uma expressão verdadeira, estando os principais oposicionistas unidos do lado da contra-revolução cada vez que a luta de classes endurecia na União Soviética. A maioria desses oposicionistas foi expulsa e readmitida mais umas duas vezes antes de se ter formado a situação definitiva em 1937-38.


Sabotagem industrial

O assassinio de Kirov em Dezembro de 1934, o presidente do Partido em Leninegrado e uma das pessoas mais importantes do Comité Central, veio a dar origem à descoberta de uma organização secreta que preparava uma conspiração para tomar posse da direcção do Partido e do governo do país através de um acto violento. A luta politica que tinham perdido em 1927 queriam agora ganhá-la através de violência organizada contra o estado. A organização tinha uma rede de apoios no Partido, exército e aparelho estatal em todo o país, sendo as actividades mais importantes sabotagem industrial, terrorismo e corrupção. Trotski, o principal inspirador da oposição dirigia as actividades do estrangeiro. A sabotagem industrial causava uma perda terrivel para o estado soviético, com um custo económico enorme como por exemplo máquinas importadas que se estragavam sem possivel reparação, e uma enorme baixa na productividade nas minas e fábricas.
Uma das pessoas que em 1939 descreveu o problema foi o engenheiro americano John Littlepage, um dos especialistas estrangeiros contractados para trabalhar na União Soviética. Littlepage trabalhou 10 anos na industria mineira soviética, entre 1927 e 1937, principalmente nas minas de ouro. No seu livro "In search of Soviet gold" escreve, "eu nunca tive interesse pela subtilidade das manobras políticas na Rússia enquanto as podia evitar; mas tive que estudar o que acontecia na indústria Soviética para poder fazer um bom trabalho. E estou firmamente convencido de que Stáline e os seus colaboradores levaram muito tempo até descobrir que os comunistas revolucionários descontentes eram os seus inimigos mais perigosos". Littlepage escreveu também que a sua própria experiência confirmava as declarações oficiais de que uma conspiração conduzida do exterior se utilizava de uma grande sabotagem industrial como uma parte de um processo para fazer cair o governo. Já em 1931 Littlepage tinha sido obrigado a constatar isso durante um trabalho nas minas de cobre e chumbo no Ural e no Kasaquistão.
As minas eram uma parte do grande complexo de cobre-chumbo cujo chefe máximo era Piatakov, o vice-comissário do povo para a indústria pesada. O estado das minas era catastrófico, no que diz respeito à produção e ao bem-estar dos trabalhadores. A conclusão de Littlepage foi de que havia uma sabotagem organizada proveniente da direção superior do complexo de cobre-chumbo.

O livro de John Littlepage dá-nos também a conhecer de onde a oposição trotskista recebia o dinheiro necessário para pagar a actividade contra-revolucionária. Vários membros da oposição secreta utilizavam os seus postos na União Soviética para aprovar a compra de máquinas de certas fábricas no estrangeiro. Os produtos aprovados eram de uma qualidade muito baixa mas eram pagos pelo governo soviético ao preço mais alto. As fábricas estrangeiras davam à organização de Trotski no estrangeiro o ganho económico de tais transações, em troca do qual Trotski e os seus conjurados na União Soviética continuavam a fazer mais compras dessas fábricas.

Roubo e corrupção
Este procedimento foi constatado por Littlepage em Berlin na primavera de 1931 quando da compra de elevadores industriais para as minas. A delegação soviética era chefiada por Pjatakov, sendo Littlepage o especialista encarregado de verificar a qualidade dos elevadores e aprovar a compra. Littlepage descobriu a fraude com os elevadores de má qualidade, inúteis para a União Soviética, mas quando comunicou o facto a Pjatakov e aos outros membros da delegação soviética foi recebido de uma maneira fria como se quisessem fugir aos factos e continuando a exigir que ele aprovasse a compra dos elevadores. Littlepage não aprovou. Na altura pensou que o que se passava era uma questão de corrupção pessoal e que os membros da delegação recebiam subornos da fábrica de elevadores. Mas depois de Pjatakov, no julgamento de 1937, ter confessado a sua ligação à oposição trotsquista, Littlepage foi obrigado a constatar que o que ele tinha observado em Berlim era muito mais do que corrupção a nível pessoal. O dinheiro em causa era destinado ao pagamento das actividades da oposição secreta na União Soviética, actividades essas que compreendiam sabotagem, terrorismo, subornos e propaganda.

Zinoviev, Kaménev, Piatakov, Radek, Smirnof, Tomski, Boukharine e outros tão queridos à imprensa ocidental burguesa, utilizavam-se dos postos que o povo soviético e o Partido lhes tinha dado, para roubar dinheiro ao estado, para que esse dinheiro fosse utilizado pelos inimigos do socialismo no estrangeiro, na sabotagem e no combate à sociedade socialista na União Soviética.

Planos para golpe de estado
                                                                     
O tipo do crime no que diz respeito a roubo, sabotagem e corrupção é um crime sério, mas as actividade da oposição iriam muito mais longe. A conspiração contra-revolucionária preparava-se para tomar o poder com um golpe de estado no qual toda a chefia soviética seria eliminada, começando pelo assassínio das pessoas mais importantes do Comité Central do Partido Comunista. A parte militar do golpe de estado seria realisada por um grupo de generais encabeçado pelo marechal Toukhatchevski. Segundo Issak Deutsher, o trotskista que escreveu muitos livros contra Stáline e a União Soviética, o golpe de estado seria iniciado com uma operação militar contra o Kremlin e contra as tropas mais importantes nas grandes cidades como Moscovo e Leninegrado. A conspiração era, segundo Deutscher, chefiada por Toukhatchevski em conjunto com Gamarnik, chefe dos comissários politicos do exército, o general Iakir, comandante de Leninegrado, o general Ouborévitch, comandante da academia militar de Moscovo e o general Primakov um dos chefes da cavalaria.

O marechal Toukhatchevski era um oficial do antigo exército czarista que depois da revolução se tinha passado para o Exército Vermelho. Em 1930 cerca de 10% dos oficiais, ou seja cerca de 4500, eram antigos oficiais czaristas. Muitos deles nunca tinham deixado as suas posições burguesas e esperavam na calada um oportunidade para lutarem por elas. A oportunidade apareceu quando a oposição se preparava para dar um golpe de estado. Os bolchviques eram fortes mas as conspirações civil e militar também trataram de arranjar amigos fortes. Segundo a confissão de Boukharine no julgamento publico em 1938, existia um acordo feito entre a oposição trotskista e a Alemanha nazi, no qual grandes regiões, entre elas a Ucrânia, seriam dadas à Alemanha nazi depois do golpe de estado contra-revolucionário na União Soviética. Este era o pagamento exigido pela Alemanha nazi pelo apoio prometido aos contra-revolucionários. Boukharine tinha sido informado deste acordo por Radek que sobre a questão tinha recebido uma directiva de Trotski. Todos estes conspiradores que tinham sido eleitos para altas posições, para chefiar, administrar e defender a sociedade socialista, trabalhavam na realidade para destruir o socialismo. Além do mais é preciso não esquecer que tudo isto se passou no decénio de 1930 quando o perigo nazista crescia sem parar e os exércitos nazistas punham a Europa a arder e preparavam uma invasão da União Soviética. Os conspiradores foram condenados à morte como traidores em julgamento público. Os culpados de sabotagem, terrorismo, corrupção, tentativa de assassínio e que queriam dar uma parte do país aos nazistas não podiam esperar outro fim. Chamar-lhes vítimas é um erro total.


Mais números mentirosos
É intressante saber como a propaganda ocidental, através de Robert Conquest, tem mentido sobre as depurações no Exército Vermelho. Conquest diz no seu livro "O grande terror" que em 1937 havia 70.000 oficiais e comissários politicos no Exército Vermelho e que 50% desses, ou seja 15.000 oficiais e 20.000 comissários, tinham sido presos pela polícia política e que tinham sido executados ou aprisionados para o resto da vida nos campos de trabalho. Nesta afirmação de Conquest, aliás como em todo o livro, não existe nada de verdade. O historiador Roger Reese no seu trabalho "The Red Army and the Great Purges" dá-nos factos e mostra o verdadeiro significado que as depurações de 1937-38 tiveram para o exército.
O número de pessoas em posição de chefia no Exército Vermelho e na aviação, ou seja oficiais e comissários politicos, era de 144.300 em 1937 crescendo para 282.300 até 1939. Durante as depurações de 1937-38 foram despedidos 34.300 oficiais e comissários por motivos politicos, mas antes de Maio de 1940 já 11.596 tinham sido reabilitados e reintegrados nos seus postos. Isto significa que durante as depurações de 1937-38 foram despedidos 22.705 oficiais e comissários politicos (cerca de 13.000 oficiais do exército, 4.700 da aviação e 5.000 comissários politicos) o que é 7,7% de todos os oficiais e comissários e não 50% como Conquest diz. Desses 7,7%, foi uma parte condenada como traidores, mas para a grande maioria o material histórico à disposição indica terem passado à vida civil.

Uma última pergunta. Os julgamentos de 1937-38 foram justos para com os acusados? Vejamos por exemplo o julgamento de Boukharine, o funcionário mais alto do partido que trabalhava para a oposição secreta. Segundo o embaixador americano em Moscovo nessa altura, um conhecido advogado de nome Joseph Davies que esteve no tribunal durante todo o julgamento, foi permitido a Boukharine falar livremente durante todo o julgamento e expor o seu caso sem qualquer empedimento. Joseph Davies escreveu para Washington  informando que durante o julgamento se mostrou que os acusados eram culpados "dos crimes que se comprovaram" e que "…a opinião geral entre os diplomatas que assistiram ao processo é de que se provou a existência de uma conspiração muito grave".
Aprendamos com a história!
A discussão do sistema correcional soviético durante o tempo de Stáline, sobre o qual se têm escrito milhares de artigos e livros mentirosos e se têm filmado centenas de filmes falsos, dá-nos conhecimentos importantes. Os factos mostram-nos mais uma vez que as histórias sobre o socialismo publicadas na imprensa burguesa são na sua maioria falsas. A direita através da imprensa, radio e televisão que domina, pode confundir e distorcer a realidade e fazer que grande quantidade de pessoas venham a considerar mentiras declaradas como verdades. Isto é especialmente verdade no que se refere a questões históricas. Novas histórias da direita devem portanto ser encaradas como falsas até que o contrário seja demonstrado.

Esta atitude cautelosa tem razão de ser. O facto é que mesmo tendo conhecimento dos relatórios russos a direita continua a reproduzir as mentiras que ensina há mais de 50 anos e que já foram totalmente desmascaradas. A direita segue a sua herança histórica: uma mentira repetida muitas vezes, acaba por ser dada como verdade. Depois dos relatórios dos investigadores russos terem sido publicados no ocidente, começaram a ser editados em vários países um número de livros, com a única finalidade de dar ao esquecimento os relatórios russos e fazer com que as velhas mentiras venham a público como verdades novas. São livros com boa apresentação, de capa a capa só com mentiras sobre o comunismo e o socialismo.

As mentiras da direita são repetidas para combater os comunistas de hoje! São feitas para que os trabalhadores não encontrem uma alternativa ao capitalismo e ao neoliberalismo. São uma parte da guerra suja contra os comunistas que têm uma alternativa para o futuro, a sociedade socialista. Essa é a causa dos livros novos com mentiras velhas.

Tudo isto impõe obrigações a todos os que têm uma visão socialista da história. Cabe a nós tomar a responsabilidade de trabalhar para fazer dos jornais comunistas, autenticos jornais das classes trabalhadoras para dar combate às mentiras da burguesia! Esta é sem dúvida uma missão importante na luta de classes de hoje que num futuro próximo se desenvolverá com novas forças.

Mário Sousa
15/6/1998
mario.sousa@telia.com