Quem tem medo dos
professores?
Por Helena Almeida
…
pois...
Pelos
vistos, todos.
Quando
a classe se une;
quando
a inércia se sacode;
quando
a doentia tendência que os professores têm para cumprirem tudo, aceitarem tudo
sem um queixume - se transforma na revolta de quem já não aguenta
mais;
quando
os professores tomam consciência do poder que detêm - e o exercem, o país
treme.
Tremem
os políticos ao verem escapar-se-lhes debaixo das garras dominadoras a classe
que (justificadamente, diga-se...) acreditavam mais submissa, a mais sensível à
chantagem emocional. Os direitos dos jovens, pois
claro!
Tremem
os pais ao verem ameaçados ... basicamente, os seus organizadinhos planos de
férias, pois que outra coisa?
Hipócritas,
uns e outros.
Não
os comovem as crianças com fome, a única refeição diária retirada das escolas, a
ASAE que há anos se pôs a medir batatas e encerrou ou inviabilizou as boas
cantinas escolares, agora reféns da normalizada fast food de empresas
duvidosas.
Não
os comovem as escolas fechadas, as crianças deslocadas, as escolas-fábrica em
que cada aluno não é sequer um número, o interior do país desertificado, as
longas viagens de e para casa, o tempo com a família, inexistente.
Não
os comovem os livros deitados fora, que deixaram de servir porque sim: o
novo programa de matemática para quê se o outro dava mostras de funcionar, o
(des)acordo ortográfico para benefício de quem..
Não
os comovem os professores massacrados que lhes aturam os filhos todo o dia,
: «Já não sei o que fazer dele, dela..., em casa é a mesma coisa...
»,
Não
os comovem os alunos que querem aprender e não podem, a indisciplina na sala de
aula e os professores esgotados, deprimidos, muitas vezes doentes, os
professores que desabam a chorar no meio da aula, a tensão, as pulsações que
disparam e como é que se pode ensinar assim?
Não
os comovem os professores hostilizados publicamente por ministras, escritores,
comentadores, opinadores - e já lá vão anos de enxovalhamento!
Não
os comovem as políticas aberrantes do ministério da Educação, as constantes
alterações aos curricula, aos programas, as disciplinas de uma hora
semanal a fingir que existem e os professores que se adaptam aos caprichos
todos, formações atrás de formações, obrigatórias todas, pagas do próprio bolso
algumas;
Não
os comovem as condições de trabalho e de saúde de quem lhes zela pelos filhos,
as horas insanas passadas na escola, as tarefas sem sentido e as outras, o tempo
e a disposição que depois faltam para tudo o resto que fazem em casa, preparar
aulas, orientar trabalhos, corrigir testes, as noites que não dormem e amanhã
aguenta-te que não são papéis que tens à frente, mas sim
pessoas!
Não
os comovem vidas inteiras de andar 'com a casa às costas', 10, 20, 30 anos
contratados (dantes chamavam-se 'provisórios'), de Trás-Os-Montes ao Algarve e é
se queres ter emprego, SEMPRE assim foi até conseguirem um lugar no quadro de
efectivos numa escola - e agora aos 40, 50, à beira de vínculo nenhum! - as
regras que mudam, a reforma que se alonja, a carreira de há muito congelada, os
sucessivos cortes no salário, os impostos uns atrás dos outros e depois
......
cara
alegre que tens a responsabilidade de ensinar, formar, educar os nossos jovens,
futuro deste país ou de outro para onde emigrem, será mais
certo.
E
eu digo, professora que fui, professora que serei sempre e já não vos aturo:
VÃO-SE FODER com as vossas preocupações da treta, a vossa chantagem e as vossas
ameaças, os vossos apelos aviltantes. E não, não peço desculpa pela linguagem,
que outra não há que dê a medida da raiva.
Quem é que vocês,
políticos, associações de pais, pensam que são?
Vocês,
que destroem tudo o que de bom se tinha conseguido neste país? Que promovem o
regresso à miséria, ao cinzentismo, à ignorância? Que se estão borrifando para
os alunos e as famílias, a qualidade do ensino nas nossas escolas públicas? Que
tiram ao estado para darem aos privados? Que acabam com apoios onde eles eram
vitais, aos alunos mais pobres, aos alunos com deficiências? Que despedem
psicólogos e professores do ensino especial? Que, em exames, recusaram tempo
extra aos alunos que a ele tinham direito? Que não fazem nada para promover a
educação, os vossos podres serviços públicos reféns do vosso oportunismo, da
vossa falta de valores, do vosso cinismo?
Vocês,
que atacam os professores mas lhes confiam os vossos filhos? Que não os educam
em casa, mas esperam que eles o façam na escola? Que agora defendem a
"mobilidade especial" quando antes defendiam a estabilidade, se queixavam de que
as crianças mudavam de professores todos os anos? Que não percebem que um
professor maltratado é um profissional menos disponível para os alunos que tem à
frente? Que a luta dos professores é a luta pelos vossos filhos, pela qualidade
da sua educação, pelas oportunidades do seu futuro?
E
vocês, opinadores 'de bancada' que continuam a achar que os professores
trabalham pouco e ganham muito, por que se queixam agora desta greve (três meses
de férias, é?!), quando nunca antes se queixaram das condições miseráveis em que
vocês próprios sempre viveram?
Por que não se queixam dos dinheiros
mal-gastos destes políticos?
Por que não se queixam de um serviço público de
televisão que vos embrutece e vos torna prisioneiros de quem vos engana todos os
dias, vos impede de terem pensamento próprio?
Por que não se queixam da razia
deste governo sobre os funcionários públicos, dos serviços que vão funcionar
muito pior, das horas de espera que vão aumentar, nos hospitais, nos centros de
saúde, nos correios e nas repartições todas, a 'má-cara' de quem, maltratado,
vos vai atender com pouca paciência e muito cansaço?
A
vocês, que pelos vistos não sabem o que é uma greve, nunca vos vi defenderem os
professores do vosso país. Vi-vos aplaudirem uma ministra que vos 'ganhou',
'perdendo-os'. Vi-vos porem-se contra eles, ao lado dos filhos que vocês não
souberam nem se preocuparam em educar. Vi-vos irem às escolas apenas para
insultarem ou ameaçarem os que nela todos os dias 'dão o litro' para que os
vossos filhos sejam melhores que vocês, tenham as condições de vida que vocês
não puderam ter.
Os
professores não estão de férias, como vocês, que tudo julgam saber, gostam de
apregoar.
Os Professores estão em greve. Finalmente!
Os
Professores levaram anos a aguentar pauladas. Anos e anos a serem, eles,
prejudicados.
Agora fazem greve, dizem BASTA!
Vocês, deviam
fazer o mesmo, assim a educação que a escola pública vos proporcionou vos tenha
garantido sentido crítico, pensamento autónomo e DIGNIDADE.
Helena
Almeida
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