Da
crónica de João Quadros no Negócio On-Line:
"Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE)
demonstram que o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Modelo Continente (do
grupo Sonae) estão entre os maiores importadores portugueses."
Porque
é que estes dados não me causam admiração? Talvez porque, esta semana, tive a
oportunidade de verificar que a zona de frescos dos supermercados parece uns
jogos sem fronteiras de pescado e marisco. Uma ONU do ultra-congelado. Eu
explico.
Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia, sapateira
de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea do Haiti? Uma
pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais viajado que nós. Eu não
tenho vontade de comer uma abrótea que veio do Haiti ou um berbigão que veio
das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que fica a mais de 2.000 quilómetros de
casa é exótico. Eu sou curioso, tenho vontade de falar com o berbigão, tenho
curiosidade de saber como é que é o país dele, se a água é quente, se tem
irmãs, etc.
Vamos lá ver. Uma pessoa vai ao supermercado comprar duas cabeças de pescada,
não tem de sentir que não conhece o mundo. Não é saudável ter inveja de uma
gamba. Uma dona de casa vai fazer compras e fica a chorar junto do linguado de
Cuba, porque se lembra que foi tão feliz na lua-de-mel em Havana e agora já nem
a Badajoz vai. Não se faz. E é desagradável constatar que o tamboril (da
Escócia) fez mais quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante
todo o ano. Há quem acabe por levar peixe-espada do Quénia só para ter alguém
interessante e viajado lá em casa. Eu vi perca egípcia em Telheiras? fica
estranho. Perca egípcia soa a Hercule Poirot e Morte no Nilo. A minha mãe olha
para uma perca egípcia e esquece que está num supermercado e imagina-se no
Museu do Cairo e esquece-se das compras. Fica ali a sonhar, no gelo, capaz de
se constipar.
Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo marroquino,
assim às claras. Eu não consigo perguntar: "tem polvo marroquino?",
sem olhar à volta a ver se vem lá polícia. "Queria quinhentos de polvo
marroquino" - tem de ser dito em voz mais baixa e rouca. Acabei por optar
por robalo de Chernobyl para o almoço. Não há nada como umas coxinhas de robalo
de Chernobyl.
Eu, às vezes penso: o que não poupávamos se Portugal tivesse mar.
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